Se você conversou com pessoas mais idosas, já deve ter ouvido falar que alguém nasceu em casa, com a presença de uma parteira. Geralmente era uma senhora de mais idade. As parteiras tradicionais começaram a perder espaço com o avanço da medicina. Antes figuras de grande importância, e até muito respeitadas por causa de sua atuação, começaram a ser associadas com uma imagem negativa de ignorância e analfabetismo. Até o século XVII o ambiente do parto era restrito à figuras femininas como as parteiras, amigas, e mulheres de mais idade da própria família, que já eram mães. Essas mulheres apresentavam a melhor assistência possível ao parto. Nos dias de hoje, as doulas são profissionais que prestam assistência física e emocional à mãe durante a gestação, parto, e apoio à mãe com os cuidados com recém-nascido. Essa figura, embora não tenha a mesma atuação, resgata a atuação das parteiras através do contínuo apoio feminino no ciclo gravídico puerperal.
A palavra Doula se origina no idioma grego, e significa “mulher que serve”. Essa profissional é uma pessoa com treinamento específico sobre fisiologia da gestação e do parto; sobre métodos não farmacológicos para alívio da dor no trabalho de parto, cuidados pós-natais e amamentação. Ela também oferece suporte emocional e físico à pessoa gestante e parturiente; oferece massagens e banhos mornos; atua na educação perinatal à pessoa gestante e seus familiares, e pode ajudá-la em aspectos como o plano de parto, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1986, segundo o manual da Rede Cegonha, uma iniciativa do Ministério da Saúde, além de estabelecer um vínculo entre a equipe de saúde e a pessoa gestante.
Com a modernização da medicina, através da criação de novos métodos de intervenção, a presença do médico, que antes era ocasional, começou a assumir uma postura protagonista, tirando das parturientes esse posto no momento do parto. À medida que essas tecnologias avançavam e acontecia essa mudança do centro de protagonismo, o parto foi transferido do ambiente domiciliar e familiar para o ambiente hospitalar. Essa transferência conferiu aos profissionais da saúde um ambiente mais confortável, mas reduziu o protagonismo da parturiente e o seu poder de decisão (VENDRÚSCOLO; KRUEL, 2015).
As doulas já são reconhecidas pelo mundo desde os anos 70, mas no Brasil somente recentemente essas profissionais começaram a ganhar reconhecimento e espaço. Essas profissionais vem promovendo mudanças necessárias e significativas na assistência ao parto. Quando presentes em salas de parto elas conferem maior confiança e segurança às parturientes; também se observa uma redução no número de cesáreas; e uma menor utilização de medicações para alívio da dor. Podemos destacar ainda sua forte atuação acalmando a pessoa em trabalho de parto, pelo apoio emocional, e aqui podemos associá-las a um ambiente de parto tranquilo e com um mínimo de intervenções possíveis (ALMEIDA; SIQUEIRA; PEREIRA, 2017).
As doulas aliam conhecimento e sensibilidade, e além do cuidado com a parturiente, também atuam criando uma ponte entre a equipe hospitalar e a parturiente, com o objetivo de propiciar o maior bem-estar possível desta pessoa em trabalho de parto e do binômio mãe-bebê, verdadeiros protagonistas deste momento (BARBOSA et. al, 2018).
Ainda existe uma grande resistência à atuação e presença das doulas dada à contraposição do modelo biomédico, especialmente por atuar para conferir o protagonismo da parturiente ao momento e cenário do parto. A função de doula já está catalogada no Código Brasileiro de Ocupações (CBO), sob o número 3221-35, e tramita em nível nacional a regulamentação da profissão.
De acordo com o Ministério da Saúde, a assistência ao parto adequada é aquela em que os desejos da pessoa em trabalho de parto são respeitados, e que seu conforto, segurança e bem-estar são compreendidos. A presença de um acompanhante, garantida pela Lei Federal n° 11.108 é de grande importância para o processo de humanização do nascimento. Para além da presença do acompanhante, existe a possibilidade do acompanhamento profissional da doula. Para o Ministério da Saúde a doula: orienta a pessoa em trabalho de parto a assumir a posição que lhe agrade, ajuda a manter um ambiente tranquilo e acolhedor com silêncio e privacidade; orienta sobre que métodos para alívio da dor podem ser utilizados; estimula a participação do companheiro ou acompanhante; e apoia e orienta a mulher durante todo o trabalho de parto, incluindo a possibilidade da liberdade de escolha quanto à posição a ser adotada no período expulsivo.
Atualmente a definição do termo “Doula” tem uma conotação também apoiada em conhecimentos biomédicos, mesmo que seja norteada pela humanização da assistência obstétrica (SILVA et al, 2012). Silva também descreve seis tipos de suporte apresentados entre as atividades desempenhadas pelas doulas: Suporte Físico (técnicas respiratórias, posicionamento, caminhadas, compressas quentes ou frias e movimentos corporais); Suporte Social (respeito com o familiar e a equipe multiprofissional, favorece ambiente tranquilo e acolhedor, mantem o foco na pessoa gestante em trabalho de parto, demonstra segurança, carinho e tranquilidade); Suporte Emocional (reduz medo e ansiedade, promove encorajamento, contato físico e visual, conversa sincera, valoriza as atitudes e comportamentos); Suporte Informativo (oferece informações sobre intervenções obstétricas, posicionamento adequado, esclarece os termos técnicos e tira as dúvidas, fornece informações para familiares e equipe multiprofissional); Apoio às Decisões (abre espaço para perguntas, respeita as escolhas, sentimentos, lamentos e queixas, responde com objetividade); Práticas Alternativas Auxiliares (aceita posições confortáveis escolhidas, faz massagens de conforto, promove técnicas não farmacológicas para alívio da dor, auxílio ao movimento com equipamentos – bola suíça, cavalinho, escada de ling, espaldar, e outros -, promove relaxamento físico e mental, musicoterapia, cromoterapia, hidroterapia, meditação, orações).
A função das doulas está em consonância com o que prega a humanização, pois combinam os saberes tradicionais e os saberes da Medicina Baseada em Evidência, e permitem uma experiência de parto respeitosa, satisfatória, bonita, na qual os recursos médicos serão utilizados em casos de necessidade e com o consentimento da pessoa em trabalho de parto.
Além da atuação durante o trabalho de parto, as doulas atuam em todo o ciclo gravídico puerperal, iniciando durante a gestação. Geralmente existem encontros entre a doula e a família onde se abordam assuntos como as fases do trabalho de parto, dor durante o trabalho de parto, cuidados com o recém-nascido, pode ajudar na elaboração de um trabalho de parto; no puerpério abordam-se a orientação para a amamentação, ajuda no bem-estar da nova configuração familiar orientando a relação entre mãe, pai e outros membros da família com o recém-nascido, e ajuda na prevenção de depressão pós-parto (SILVA et al, 2012; LIMA, 2017; TEMPESTA, 2019; AMORIM, 2020).
O que a doula não faz: Qualquer tipo de procedimento clínico ou médico, como aferição de pressão, administração de medicamentos, toques vaginais e outros; Discutir os procedimentos com a equipe; Substituir os profissionais da equipe de assistência ao parto; Substituir o acompanhante garantido por lei, salvo se for escolha da parturiente. É importante entender que doula não é parteira. O seu papel é somente o de oferecer encorajamento, conforto e suporte emocional, físico e informativo à gestante.
Em 2013, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) inseriu a categoria “Doula” na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), código 3221-35 retratando-a como uma profissão que tem por objetivo oferecer apoio contínuo à mulher durante o ciclo gravídico puerperal. Essa inclusão gera uma visibilidade e valorização. A CBO tem o reconhecimento no sentido classificatório da existência de determinada ocupação e não da sua regulamentação, sendo esta realizada por Leis (BRASIL, 2013).
No Brasil, alguns estados (Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Amazonas, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Tocantins, Amapá, Rondônia, Santa Catarina e o Distrito Federal) reconhecem, e neles é lei, que a gestante possa exigir uma doula durante seu trabalho de parto, tanto em hospitais públicos quanto em privados. Essa decisão independe da escolha de um acompanhante, direito já garantido por lei federal.
Nesses estados a função de doula é reconhecida de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO): “acompanhantes de parto escolhidas livremente pelas gestantes e parturientes, que visam prestar suporte contínuo à gestante no ciclo gravídico puerperal, favorecendo a evolução do parto e bem-estar da gestante”. Podendo acompanhar a gestante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato; mediante contratação e autorização da parturiente e certificação de curso para formação ocupacional dessa área. A profissional não está autorizada a realizar procedimentos médicos ou clínicos, bem como procedimentos de enfermagem.
Desde 2017 tramita o projeto de Lei n.º 8.363/2017 que dispõe sobre o exercício profissional da atividade de Doula e dá outras providências. Para virar lei, o projeto precisa ser aprovado nas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; de Seguridade Social e Família; de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois seguirá para o Plenário, e caso seja aprovado, vai à sanção do presidente da República.
Para se tornar doula, não há necessidade de certificação profissional na área da saúde, mas há a necessidade de uma formação específica na área da doulagem. Essa formação pode ser feita através de cursos online, presenciais ou mistos. É importante buscar cursos de formação desenvolvidos com base nas últimas evidências científicas, pois, apesar de não precisar ser profissional da saúde para ser doula, é necessário se atualizar constantemente, seguindo fontes de informação confiáveis. Lembre-se de que você irá lidar com vidas, emoções e sonhos, então precisa estar preparada tanto no âmbito teórico quanto no prático. Em geral os cursos abordam temas como o que é ser doula; normas, rotinas, recomendações e aspectos éticos da profissão; assistência ao parto e nascimento; educação pré-natal; violência obstétrica; recursos não farmacológicos para alívio da dor; aspectos psicossociais do parto e distócia emocional; puerpério e amamentação, variando de acordo com a carga horária, o local e o estado em que é oferecido.
Fontes:
Rede Humanizada SUS
Blog Ministério da Saúde
Câmara dos Deputados
World Health Organization
Vendrúscolo CT, Kruel CS. A história do parto: do domicílio ao hospital; das parteiras ao médico; de sujeito a objeto. Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Humanas. 2015 Jun [cited 2018 Nov 21] ; 16( 1 ): 95-107.
ALMEIDA, K. C. S.; SIQUEIRA, H. C. H.; PEREIRA, Q. C.. Benefícios de acompanhante treinada durante o processo de parturição: revisão integrativa. Journal Of Nursing And Health, [s.l.], v. 7, n. 2, p.199-212, 7 nov. 2017.
Barbosa MBB, Herculano TB, Brilhante MAA, et al. Doulas como dispositivos para humanização do parto hospitalar: do voluntariado à mercantilização. Saúde Debate
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Programa de Humanização do Parto/Humanização no Pré-natal e Nascimento. Reimpressão - Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
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SILVA, R. M. da et al. Evidências qualitativas sobre o acompanhamento por doulas no trabalho de parto e no parto. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 10, p.2783-2794, out. 2012. FapUNIFESP (SciELO)
LIMA, L. O. Doula, sim! A importância das doulas na gestação, parto e puerpério. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017.
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