Hoje começo uma sequência de textos que irão falar sobre a popularização da fotografia de nascimentos. E sobre como ela pode ajudar a mudar a perspectiva sobre esse momento.
O nascimento é uma passagem que tem um valor pessoal e familiar inestimável. É um momento bonito, forte e arrebatador; cheio de emoções e amor. Ouso dizer que a fotografia de nascimentos é, na minha opinião, a mais singela e preciosa que existe. Através dela você pode contar um capítulo que é único na história da sua vida e da sua família.
A fotografia de nascimentos é uma fotografia documental; através da observação atenta e silenciosa do fotógrafo, ou fotógrafa, que vai contar uma história através de um registro fotográfico. As emoções, os processos, o ambiente e ambiência, a alegria, a dor, o alívio, o choro, a união, o medo, o esforço, a entrega, tudo isso faz parte da cena fotografada durante o parto.
Esse nicho fotográfico é bastante recente na história da humanidade. No inicio da fotografia o acesso à câmeras ou fotógrafos profissionais era muito restrito. De certo que documentação fotográfica de um nascimento era algo muito raro e difícil de ser feita. De outro lado o tínhamos um cenário de nascimento onde dar à luz em casa até meados dos anos 50, aproximadamente, era a regra. Só nas décadas seguintes veio a medicalização e institucionalização desse momento, enquanto a fotografia ainda era pouco acessível. Vale salientar que os poucos exemplares fotográficos desse período (anos 50, 60, 70...) retratam um ambiente hostil, onde a falta de humanização, de cuidados e direitos eram visíveis.
A luta pelos direitos da humanização, e o reconhecimento de várias técnicas como violência obstétrica, tem sido essenciais para a humanização do parto. Vejamos, nas décadas anteriores os nascimentos aconteciam em ambientes com poucas condições sanitárias; daí os nascimentos foram levados para instituições médicas, onde a voz da mulher em trabalho de parto era silenciada, e passaram a acontecer de acordo com a agenda de mercado. Atualmente já podemos contar com um volume de informações bem maior, e informações de qualidade são essenciais para que a mulher não passe por procedimentos desnecessários no ambiente do nascimento do seu filho. E por isso se diz que a humanização do nascimento é processo ainda em construção.
Ao longo dessas transformações no cenário obstétrico a maior referência em imagens, sobre parto, eram cenas de novelas ou filmes; que invariavelmente retratavam esse momento da forma mais equivocada possível, variando entre o parto como evento de grande sofrimento e excessivamente traumático (quase sempre devido a excessos de intervenções e falta de direitos ou atendimento adequado), ou o parto sem nenhum parâmetro fisiológico real (como o rompimento da bolsa amniótica e nascimento do bebê logo em seguida); por vezes também mostravam procedimentos com violência obstétrica bem grosseiras.
Essas imagens sempre passavam a ideia irreal de que a mulher é incapaz, de que o corpo não é forte o suficiente para passar por esse processo; a ideia de que o nascimento é um evento perigoso para a integridade da vida. Com isso criou-se o mito de que o parto é inviável. Criavam também a ideia de que a mulher sempre seria submetida a um atendimento violento e frio. E essa infelizmente é ainda uma ideia muito forte entre as mulheres e famílias.
A fotografia documental de nascimentos atual mostra às famílias uma outra perspectiva. Elas contam um processo, uma história, um desenvolvimento, as emoções. Cada detalhe, desde o ambiente e a ambiência, as expressões, os choros, os sorrisos, os olhares... De todos os entes envolvidos no nascimento de cada bebê.
Se o nascimento acontece em um ambiente domiciliar – cabe salientar aqui que atualmente o parto domiciliar planejado atende uma série de critérios de elegibilidade dentro de rigorosos padrões de segurança e antecipação de medidas de segurança - as fotos mostram mulheres tranquilas dentro de um ambiente que ela escolheu e preparou pra esse momento, segurando a mão do seu parceiro, ou familiar escolhido por ela para estar com ela nesse momento.
Essas fotos mostram através de exemplos reais que o parto é possível, que não é um momento para ficar refém do medo; mostram que é possível ter um parto respeitoso, com aconchego e acolhimento.
Todo nascimento tem sua beleza, é verdade. Mesmo que esse nascimento aconteça através de uma cirurgia cesariana. A medicina evoluiu e sabemos que existem indicações reais de cirurgias cesarianas. Existe um grande corpo de informações que fundamentam quando ela deve ser aplicada. Pra além, claro, do desejo da mãe em receber seu filho através de uma cesariana. Quando essa for a situação cabe a nós receber e acolher esse desejo da forma mais atenciosa e empática, óbvio. E esse procedimento cirúrgico pode acontecer de forma respeitosa e delicada, seja ela por indicação real, intra-parto, ou desejo da mãe. Não é por isso que esse momento será menos significativo e estéril de emoções. Não há desmerecimento no procedimento ou de quem precisou ser submetida a uma.
A fotografia pode ser uma aliada da luta de humanização e respeito ao parto. Ela vai proporcionar às famílias que elas tenham memórias duradouras desse momento, mostrando o empoderamento e a percepção de que esse é um evento pessoal e fisiológico; conscientizando as pessoas em geral para a importância do respeito aos direitos e desejos da mulher em trabalho de parto; se comunicando com os profissionais de saúde que atendem essas pessoas; incluindo o pai ou parceiro ou outros membros da família nesse momento, e até mesmo mostrando a conexão da família entre si e com esse bebê que acaba de nascer dentro desse movimento de grandes emoções!
Claro, é importante salientar que essa fotografia deve ser feita com sensibilidade, respeito, conhecimento, e o óbvio consentimento dessa família. Quando feita com cuidado e respeito a fotografia de parto pode ser uma forte aliada na luta pela humanização e respeito do nascimento.